Os especialistas são categóricos: o futuro do automóvel passa por, a médio-prazo, carros elétricos, conectados e de condução autónoma, o que significa uma total revolução no modo como o consumidor olha atualmente para o automóvel.
Ou seja, da maneira como o futuro está a ser desenhado, os automóveis clássicos vão tornar-se ainda mais clássicos, e a contabilidade de tempo e de estado de preservação não serão os principais fatores de valorização. O futuro é mesmo um mundo novo que está à porta.
De um lado, o design e a estética, motores a combustão e os pormenores distintivos que marcam cada série de produção, conferindo valor histórico e cultural; do outro, uma visão estética futurista, de traços minimais, algo anódina, sem grandes pormenores diferenciadores (nem sequer o ruído do motor), orientados para a reciclagem imediata no fim de vida.
Mas será que estes dois mundos, apesar de tão antagónicos, são incompatíveis?
“Pode parecer que quem gosta de uma coisa não vai gostar da outra, mas isso não é verdade”, afirma Luís Cunha, secretário-geral do ACP Clássicos. Em causa está a preocupação geral dos donos de clássicos em “provocar a menor pegada ecológica possível, que já é muito baixa pois a quilometragem feita por uma viatura desta é residual quando comparada com a de um veículo de uso quotidiano”.
Por outro lado, muitos optam por híbridos ou elétricos para “reforçar o prazer de conduzir um carro clássico com motor a combustão e cheio de história”. E até há casos de “híbridos que se convertem em clássicos instantâneos, como é o caso do BMW i8”, que é uma peça única.
É precisamente este o caso de Carlos Silva, sócio do ACP Clássicos, para quem não há qualquer incompatibilidade. Dono de um BMW i8, este colecionador tem, entre outros, um Ferrari 400, um Citroën Arrastadeira (Traction Avant de 1947, que pertenceu ao pai) e vários BMW’s (entre eles um dos primeiros M5).
Para adquirir o primeiro híbrido desportivo de série, criado pela marca de Munique, Carlos Silva adotou o mesmo raciocínio que usa para os clássicos: “foi muito corajoso por parte da BMW produzir um carro que era um concept-car (o Vision EfficientDynamics), criando um modelo único, rápido, cómodo mesmo sendo desportivo”.
Foi este conjunto de razões que levou Carlos Silva a encomendar um i8 assim que foram postos à venda, tendo-o recebido há dois anos e meio. Desde então, “por ser uma peça com um design extremo, é complicado circular na rua com ele, pois toda a gente quer fotografá-lo ou vê-lo por dentro”. Este é o seu carro de todos os dias, ao passo que as peças de coleção ficam reservadas para os passeios e encontros de clássicos que Carlos Silva adora frequentar.
Já Frederico Valsassina, que é detentor de uma das mais apreciadas coleções de motas da marca Norton, assim como de uma coleção de automóveis clássicos onde pontificam um Porsche 356 (1957), um Jaguar XK 120 e um Mark II, um MGA, um Austin-Healey JB8 3000 e um Isetta, já se rendeu aos híbridos e elétricos.
No dia-a-dia, o casal Valsassina usa um Mercedes C 300 Hybrid e um BMW i3.“Isso mostra como por aqui não há qualquer preconceito em relação aos carros eletrificados”, resume este grande entusiasta das 500 Milhas ACP, prova de clássicos que atravessa o País de norte a sul.
Este colecionador, fruto da sua experiência atual, considera “que os clássicos saem reforçados em termos de prazer de condução, muito pela antítese do tipo de condução de um elétrico ou híbrido”. E até destaca o pormenor do silêncio do motor: “torna-se muito mais agradável conduzir no dia-a-dia um carro silencioso e passa a dar muito mais gosto ir dar uma volta ao fim-de-semana num ruidoso V6”.
César Barbosa também divide a semana entre uma viatura elétrica e um clássico, recorrendo a um quadriciclo Birò para uso de trabalho e um Jaguar XKR, assim como um Jaguar E Type, para os momentos de lazer. Para ele, "quem gosta de carros antigos, gosta de carros, ponto". E "quem realmente gosta de carros antigos nunca vai com eles para o reboliço da cidade, é um crime", acrescenta.
“O quotidiano é pragmático e os dias de lazer são para fruição”. É desta forma que Adelino Dinis, também sócio do ACP Clássicos, resume a sua relação entre carros eletrificados e carros clássicos.
Para uso diário recorre a um Lexus 200 CT H, um veículo híbrido, mas os fins-de-semana são dedicados aos seus dois Peugeot, um 504 Cabriolet (de 1972) e um 205 GTI 1.6 (de 1986).
Adelino considera que “levar um carro para o centro de uma cidade como Lisboa, num registo diário, só faz sentido com um automóvel que seja seguro e eficiente em termos energéticos, para não poluir ainda mais”.
A estas razões somam-se outras, de estima de um clássico, pois o tratamento urbano dado aos carros é pouco compatível com a sua boa preservação, “há vários toques que riscam a pintura e a probabilidade de ter pequenos acidentes é sempre maior numa cidade”.
“São dois mundos completamente diferentes, mas nada incompatíveis, basta sabermos utilizar cada uma das viaturas no seu melhor contexto”, resumiu.