100 anos de Bentley não se contam sem olhar os seus carros. Em comum a todos eles? A sua capacidade de reviverem quando já se pensava terem-se calado para sempre. Aqui ficam quatro deles. E novo um candidato a repetir a história…
Bentley 8 Litre
Esta viagem com o último carro desenhado por W.O Bentley: o 8 Litre. O seu ar imponente de grande luxo, combinado com a performance pura, era a afirmação de vida do fundador da marca. O maior e mais luxuoso da sua época, o 8 Litre foi lançado em 1930, mas encontrou a tempestade perfeita: a grande depressão mundial, a crise na marca e a sua consequente venda a um grupo rival. Como resultado, só foram produzidas 100 unidades, entre 1930 e 1932. Mas desenganem-se os que pensam que a história acaba aqui – longe disso…
O Bentley 8 Litre apresentava o maior motor entre todos os carros à venda no Reino Unido naquela altura. Evoluído em tudo, incluindo nas ligas metálicas escolhidas, contava com um cárter feito de “elektron”, uma liga de magnésio. E a sua potência máxima situava-se entre os 200 e os 230 cv, um rendimento enorme para a época. Tal era a potência do 6 cilindros em linha de 7.983 cc que a marca garantia mais de 160 km/h, independentemente da carroçaria que o proprietário encomendasse. Em dezembro de 1930, a revista Autocar mediu a sua performance na meia-milha, registando 101,12 mph (o equivalente a quase 162 km/h). Entre esse dia e 1939, apenas mais um carro conseguiu superar a marca.
W.O. escolheu um dos chassis iniciais para o seu uso pessoal, entregando a H.J. Mulliner a construção da carroçaria que iria assentar sobre a estrutura gigante com uma distância entre eixos de quase quatro metros. W.O. guiou-o por milhares de quilômetros na Grã-Bretanha e em viagens pela Europa, até que, em 1931, com a venda da “sua” Bentley, W.O. teve de se separar dele.
No final da sua vida viria a reencontrá-lo. Durante um jantar de homenagem, o Bentley Drivers’ Club preparou a surpresa suprema: o carro tinha sido localizado e estava presente no evento, num momento carregado de emoções para o fundador da marca. Em 2006, o 8 Litre de W.O. foi adquirido pela Bentley e cuidadosamente restaurado. Hoje, é o “carro de serviço” simbólico dos CEO da marca, preservando uma tradição icónica da Bentley.
Bentley Blower
Para muitos, o Bentley “Blower” é o mais mítico carro de competição dos anos pré-guerra, e para sempre ligado à imagem do seu piloto, o audaz “Bentley Boy” Sir Henry Birkin. A sua criação nasce, aliás, de uma teimosia de Birkin: em 1928 já se tinha tornado claro que o 4 ½ Litre tinha atingido o limite de desenvolvimento, com a concorrência em pista a tornar-se cada vez mais próxima da supremacia dos Bentley.
E aqui surge a divisão… W.O. defendia o aumento da cilindrada, e apostava no 6 ½ Litre Speed Six, enquanto “Tim” Birkin preferia a opção de sobrealimentação. Não houve acordo e W.O. acabaria por ser desautorizado por Woolf Barnato, outro “Bentley Boy” que entretanto assumira a presidência da marca depois de nela ter injetado capital.
A decisão foi salomónica, mesmo assim: Birkin foi autorizado a ir por diante com o projeto, mas teve de encontrar fundos privados para desenvolver a versão sobrealimentada. Com o dinheiro reunido, recorreu então ao engenheiro independente Amherst Villiers, e eis que nasce o “Blower”, vistoso na aparência, com o proeminente compressor na dianteira, e no rendimento. Dos 110 cv iniciais, “Tim” tinha agora 175 cv sob o capot.
Objetivo? Le Mans. E uma nova história que entra para a galeria dos mitos do automóvel.
O duelo entre o piloto da Mercedes-Benz Rudolf Caracciola e Sir Tim Birkin nas 24 horas de Le Mans de 1930, tornou-se uma lenda. E, tal como acontece com muitas lendas, é difícil separar os factos da ficção. Mas vale a pena contar a história: para a corrida, a Bentley apresentou-se com três Speed ??6 da formação oficial, bem como com a equipa independente dos 4 ½ Litros “Blower” de Birkin. Desde o início da prova, Birkin e Caracciola correram “taco a taco”, sendo famosa a ultrapassagem de Birkin ao Mercedes SSK de Caracciola na reta de Hunaudières com duas rodas na relva. Nenhum dos dois chegou ao fim, deixando o caminho livre a Barnato para, com Glen Kidston, chegar à vitória num Speed ??Six, o "Old Number One".
Mais tarde, a Bentley alimentou o mito segundo o qual Birkin forçou deliberadamente o andamento do Mercedes, numa estratégia de "tartaruga e lebre" que preparou a vitória ao Speed ??Six... Mas o mais provável é mesmo que Birkin visasse a vitória, porque, de resto, só conhecia uma maneira de guiar: prego a fundo... A razão para o fracasso do Blower em corridas de resistência foi perfeitamente resumida por Nobby Clarke, diretor de corrida da Bentley; “O Blower come velas como um burro devora palha”.
R Type Continental
O R Type Continental, de 1952, é um dos modelos mais marcantes da Bentley e, seguramente, um dos que mais a diferenciou, numa era em que a sua identidade se encontrava em causa, fruto da inclusão no grupo da Rolls Royce. Apesar de apenas 208 unidades terem sido produzidas, criou um padrão para os grand touring da Bentley, que durou durante décadas. Foi, até, a inspiração da equipa de design do primeiro Continental GT, 50 anos depois.
Apesar dos muitos anos que levava como funcionário da Rolls-Royce, Ivan Evernden, engenheiro-chefe da companhia, sentia-se inspirado para reinventar a Bentley e, claro, diferenciá-la da sua “irmã” mais conservadora. Foi assistido por John Blatchley, diretor do recém-criado gabinete de design em Crewe, que esboçou uma carroçaria baixa, longa e excecionalmente fluída, marcada pela traseira tipo “fastback” e o radiador com profunda inclinação para trás.
Usando a base do R Type, Evernden e Blatchley imaginaram um grande turismo na melhor tradição Bentley, usando a aerodinâmica e as ligas leves para criar um carro capaz de longas viagens a alta velocidade pelas estradas continentais da Europa.
O já disponível seis cilindros em linha de 4.566 cc foi cuidadosamente trabalhado para oferecer mais potência – de 140 para 153 cv – com uma maior relação final para tirar melhor partido das eficiências conseguidas pela carroçaria leve e aerodinâmica.
O peso era um fator crítico: em 1950 não existiam, pura e simplesmente, pneus que suportassem um carro de duas toneladas a velocidades da ordem dos 185 km/h. Evernden calculou que o peso máximo teria de ficar abaixo dos 1750 kg, pelo que o alumínio foi usado abundantemente na construção deste modelo. O esforço compensou: em Setembro de 1951, na pista de Montlhèry, perto de Paris, um dos primeiros protótipos cumpriu cinco voltas a uma média de 190 km/h, com a melhor volta perto dos 192 km/h.
Até este ponto, o protótipo - OLG 490, apelidado de Olga - era um projeto semi-oficial. Alguns membros do conselho de administração consideravam que o modelo era "demasiado desportivo" para uma empresa que também fabricava limusines Rolls-Royce. Mas, com a ajuda de aliados dentro da empresa e dos concessionários no exterior, Evernden conseguiu persuadir os céticos diretores de que existia mercado para um grande turismo da Bentley. Tal como ele previra, as encomendas começaram a chegar de todo o mundo, mesmo com o exorbitante preço de £ 6.928. Para colocar este valor em contexto, em 1952, o salário médio anual era de £ 468, e uma casa custava, em média £ 1.891.
Quando a produção terminou, em 1955, 208 R Type Continental já tinham sido vendidos. Todos, menos 15, tinham carroçarias executadas pelas H.J. Mulliner.
S1 Continental Flying Spur
O projeto R Type Continental conquistou as atenções do público e o seu sucesso foi indesmentível. E não apenas no aspeto financeiro: o “revival” do espírito Bentley estava lançado. De tal forma que a Bentley continuou a oferecer uma linha de chassis-grupo motopropulsor Continental após o lançamento da nova série S, em 1955.
HJ Mulliner, Park Ward, James Young, Hooper, Graber e Franay produziram os seus próprios projetos de duas portas sobre aqueles chassis, mas foi HJ Mulliner o primeiro a estender o conceito às carroçarias de quatro portas, o Continental Flying Spur. Outros carroçadores se seguiram, num total de 432 unidades do S1 Continental.
O R-Type Continental e o S-Type Continental representaram a última era dos carroçadores independentes, que criavam a sua arte sobre os chassis e transmissão produzidos pela Bentley.
Desde 1946 que a Bentley produzia automóveis completos em Crewe, o que tornou a vida destas empresas cada vez mais difícil no esforço de igualarem as especificações de fábrica.
O S-Type foi, assim, o último a ser produzido nesta modalidade de chassis separado. Com o lançamento da Série T, em 1965, a era do coachbuilder chegava definitivamente ao fim.
Mas, como já se percebeu até aqui, nada na Bentley está condenado à extinção. Há qualquer coisa que faz reencarnar, uma e outra vez, um conceito ou a própria marca em si.
Em 2019, no ano do centenário, o espírito “revival” acontece precisamente com o Flying Spur – o tal que se julgada definitivamente posto de parte.
A Bentley acaba de apresentar ao mundo a terceira geração do Flying Spur, uma limusine de super-luxo, como sempre foi, mas agora com uma atenção clara à performance e à tecnologia de ponta. Para ser desfrutado ao volante ou no banco de trás (na verdade, para ser apreciado em ambos), o novo Flying Spur recorre ao músculo tecnológico do Grupo Volkswagen para oferecer dotações inéditas de conectividade, conforto e dinâmicas, tais como a direção e tração integral. O motor? Um luxo também: um W12 (12 cilindros, duplo V) sobrealimentado por dois turbocompressores, com 635 cv.
Nem o irreverente “Bentley Boy” Tim Birkin se teria lembrado de tamanha audácia…