O ACP Clássicos nasceu da ideia de se fazer no clube um curso de restauro de veículos históricos para os sócios, iniciativa que foi bem acolhida e teve um grande impacto. Estava-se em 1999 quando um grupo de entusiastas de clássicos avançou com essa proposta à direção do ACP presidida na época por Alberto Romano. “O curso que organizámos no ACP acelerou a criação de uma vertente, dentro do clube, dedicada aos veículos históricos, fazendo com que a direção tirasse da gaveta um memorando que aconselhava a organizar uma estrutura que tivesse a ver com automóveis antigos” recorda Luís Cunha, secretário-geral do ACP Clássicos.
O sucesso desse curso de restauro foi uma pedrada no charco e ajudou a perceber que o projeto era viável na organização do ACP. Criou-se uma comissão instaladora que com alguns membros da direção do clube fez a ponte para a criação dessa estrutura. A arrancou em 2001 e faz agora 20 anos.
“Quando se começou a pensar no esqueleto daquilo que seria o ACP Clássicos, o próprio regulamento do clube já previa o que nos proponhamos fazer. E havia duas intenções base. Uma dizia respeito à parte lúdica através da criação de eventos que mobilizassem as pessoas, como passeios e provas desportivas. A outra, de carácter mais institucional, tinha como objetivo a defesa deste património histórico, interagindo com as autoridades no sentido de criar legislação útil ao universo dos clássicos. Um património histórico que só tem razão de existir se continuar a poder circular no seu meio ambiente que é a estrada. Há que criar condições para que isso aconteça”, refere ainda.
Sempre a promover os veículos históricos
Se uma das bandeiras do ACP Clássicos é a defensa dos veículos históricos para que possam continuar a circular na estrada, o caminho ainda é longo apesar das conquistas conseguidas. “Quando há 20 anos criámos o ACP Clássicos, o mundo era mais tranquilo e as limitações eram menores na utilização dos clássicos. Mas o cenário entretanto mudou e temos acompanhado essa evolução, também através da Comissão Histórica da FIA, e do papel da FIVA, e percebemos que não é só uma questão que diz respeito a Portugal. O que ainda vigora em Lisboa quanto à circulação dos clássicos no centro histórico, foi conseguido e iniciado por nós. Queremos mostrar que o impacto das viaturas históricas do ponto de vista ambiental é uma coisa residual, porque circulam esporadicamente. Em média 1.500 quilómetros por ano, segundo os estudos da FIVA”.
É falando de sustentabilidade que as certificações de clássicos assumem especial importância. “O trabalho que temos feito ao longo destes anos é separar o trigo do joio, uma coisa são carros velhos, outra coisa são veículos históricos, devidamente restaurados, mantidos e de uso esporádico. São instituições como o ACP que têm esse papel junto da sociedade. Os carros em fim de vida são uma realidade inevitável, mas entre eles existem casos que importa preservar para memória futura”. Apesar de ao nível do plano político ser muitas vezes complicado entender-se esta diferença “porque se as coisas não estiverem bem argumentadas, esses carros correm o risco de serem vistos como potencialmente poluidores se circularem o ano todo. Podem cair na esfera dos carros velhos e não daqueles com interesse histórico”.
A questão da fiscalidade tem sido outro desafio para o ACP Clássicos desde a sua criação. Até 2007 os automóveis que fossem considerados veículos de interesse histórico com mais de 30 anos, beneficiavam de isenção do Imposto Automóvel (IA). “Mas houve uma deturpação da lei a partir do momento em que alguns comerciantes de automóveis clássicos acederam a essa isenção e o Estado português, argumentando que não podia fazer uma descriminação positiva aos colecionadores face aos comerciantes, tornou as importações quase proibitivas. Com base no cálculo das elevadas cilindradas e emissões o IA disparou. Existiram casos de clássicos importados a pagarem quatro ou cinco vezes mais do que o seu valor comercial”.
Uma questão que entretanto melhorou, também por força de uma imposição da Comissão Europeia ao ditar que os automóveis com primeira matrícula num estado-membro não podem ter tratamento discriminatório em Portugal. Nomeadamente, carros até 1970 só pagam em função da cilindrada e não das emissões, o que já torna a situação mais comportável.
O ACP Clássicos é hoje o maior clube de clássicos em Portugal. E os números provam-no: tem 6.560 associados ativos, mais de 10.000 clássicos certificados e uma base de dados com 20 e tal mil veículos históricos. Desde a sua criação em 2001 continua a organizar dois grandes grupos de eventos: um totalmente lúdico através da realização de passeios com aspetos culturais e outro de caráter mais desportivo como as provas de regularidade. Ambos organizados de forma equilibrada por forma a agradar aos sócios menos experientes, mas suficientemente interessantes para que os mais conhecedores continuem a ter prazer em participar. “Temos feito esses eventos com bastante regularidade e tentando dar-lhes uma expressão nacional. Essa é a nossa preocupação, organizar eventos de forma deslocalizada”, diz Luís Cunha.
O futuro é o horizonte
Além da organização de passeios, provas de regularidade e participações em eventos, mesmo de nível internacional como o Estoril Classics, o ACP Clássicos vai continuar a sua cruzada na defesa da continuidade de circulação dos veículos históricos, consciente de que esse desafio vai ser grande nos próximos cinco, dez anos, à escala mundial. “Da nossa parte estamos preparados para as limitações que nesse sentido poderão vir a acontecer. Contamos com a sensibilidade de outros clubes e federações na demonstração que estes automóveis não são uma ameaça para o ambiente, pela pouca expressão que têm do ponto de vista da circulação”.
A realização das certificações também vai continuar a merecer especial atenção para a preservação desse património histórico. “Tentamos que do ponto de vista mais estético, os materiais sejam sempre os mais adequados à época, as pinturas ou o estado geral dos automóveis. Do ponto de vista técnico, as certificações também garantem um conjunto de situações que visam, nomeadamente, a questão da segurança. Como o estado dos pneus, por exemplo, que é das coisas que mais damos atenção. Mesmo tratando-se de carros que andam pouco, os pneus envelhecem com o tempo, não é só pelo desgaste dos quilómetros que percorrem. E isso muitas vezes passa despercebido aos proprietários”.
O aconselhamento aos sócios é outra missão. “Ficamos muito contentes quando nos contactam numa altura em que ainda os podemos ajudar, como, por exemplo, no momento de nova aquisição que deve ser bem ponderada, evitando compras por impulso que depois não resultam bem”. A recente parceria com a Valor Car, a entidade que gere os centros de abate do País, revelou-se outra mais-valia para os sócios na medida em que lhes permite a aquisição de peças de veículos em fim de vida que de outra forma seria difícil de conseguir. “Isso leva-nos a um ponto que já referimos e que é a sustentabilidade dos clássicos. O facto de durarem 60 ou 70 anos já é um aspeto do ponto de vista ecológico muito interessante, porque escapa àquela rotação dos carros novos”.
Como é o parque de clássicos em Portugal
Para Luís Cunha, o parque de clássicos em Portugal foi sempre muito interessante, não só pelas dimensões do País, como pelo facto de nos anos 50 e 60 chegar a ter tido automóveis mais interessantes do que Espanha. A neutralidade nos conflitos mundiais também ajudou à preservação de bons exemplares e até havia cidades em que a quantidade de modelos Maserati suscitava a curiosidade dos italianos, por exemplo.
A seguir ao 24 de abril muitos dos carros colecionáveis foram vendidos e abandonaram o País. Depois, nos finais dos anos 80, quando o fenómeno dos clássicos começou a crescer e também na década de 90, registou-se uma significativa recuperação. Nova demanda aconteceu a partir dos anos 2000 com a valorização de marcas como a Ferrari, Porsche ou Mercedes-Benz que catapultou os preços. Carros que valiam 100 mil euros começaram a valer um ou dois milhões de euros, fazendo com que muitos tivessem sido vendidos para fora. No meio dos clássicos Portugal é ainda conhecido como a Califórnia da Europa, com um clima muito favorável à conservação dos automóveis mais antigos, o que é muito tido em conta pelos colecionadores.
Ainda para Luís Cunha o outro desafio que está no horizonte é “continuar a cativar os mais novos para os clássicos. Desde o início que percebemos que ao contrário dos clubes congéneres, focados nos automóveis mais antigos, de forma muito conservadora, percebemos a importância dos futuros-clássicos que marcaram a juventude de muitos. Não podemos impedir o tempo de correr, mas há medida que vai passando surgem entusiastas mais jovens que dão especial atenção aos carros das décadas de 80 ou 90. E temos acompanhado esse facto com especial atenção”.