Anteprojecto de Reforma da Fiscalidade Verde
Parecer no Quadro da Tributação Automóvel
1. Sumário Executivo
Salvo melhor opinião, o Anteprojecto de Reforma da Fiscalidade Verde não respeita os Princípios da Proporcionalidade e da Neutralidade Fiscal, uma vez que o diferencial apresentado entre custos e benefícios para os contribuintes, é manifestamente desequilibrado. Poder-se ia pensar que, apesar do diferencial exageradamente positivo verificado entre as previsões de receita arrecadada e despesa, que os benefícios ambientais trazidos pela mudança comportamental visada pelo Anteprojecto traduzir-se-iam num reequilibrar da balança e no respeito pelo Princípio da Neutralidade Fiscal, que, diga-se, é considerado como “princípio orientador” da Reforma pela própria Comissão. Não é, no entanto, o que se verifica.
De facto, no que aos transportes diz respeito, o Anteprojecto peca, não propriamente pelo desmérito das medidas propostas, mas antes pela sua insuficiência e, em alguns casos, quase inutilidade tendo em conta o panorama global. Neste sentido, e no quadro da consulta pública, mais uma vez defendemos que apenas a adopção das medidas propostas no ponto 5 do presente parecer poderão complementar a Reforma de modo a promover uma efectiva mudança comportamental da parte dos contribuintes que promova práticas ambientais com a relevância necessária à salvaguarda do Princípio da Neutralidade Fiscal, que deveria ser transversal a este Anteprojecto.
Não é o que sucede na proposta, porquanto, em primeira linha, que esta Reforma determina um aumento da carga fiscal, entre taxas e impostos, de 180 milhões de euros, só determinando benefícios correspondentes a 20 milhões de euros.
Acontece que, na verdade, não há uma qualquer reestruturação do complexo tributário, propriamente dita, que o reorganize de forma a favorecer a utilização de meios de transporte menos poluentes sem prejuízo para o contribuinte. Tão pouco existe qualquer desenvolvimento do conceito de parafiscalidade verde, mas antes uma tributação descontextualizada que em última escala incidirá sobre o rendimento das empresas e das pessoas singulares.
2. Introdução e Análise
Na sequência do Anteprojecto de Reforma da Fiscalidade Verde apresentado pela Comissão para a Reforma da Fiscalidade Verde, nomeada nos termos do Despacho n.º 1962/2014, do Ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia e do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, decorre até 15 de Agosto de 2014 “um período para consulta e discussão pública do Anteprojeto de Reforma, durante o qual poderão ser apresentados contributos pelas entidades interessadas”.
Neste contexto, e tendo em vista a sua apresentação em sede de discussão pública da referida proposta, elaborámos um parecer acerca da conformidade com a Ordem Jurídica Portuguesa de algumas das propostas formuladas pela referida Comissão, mais concretamente no que diz respeito à tributação incidente, directa ou indirectamente, sobre o sector automóvel e dos transportes rodoviários.
Cumpre a título de introdução referir que no exercício do mandato que lhe foi confiado, a Comissão para a Reforma da Fiscalidade Verde submeteu a consulta pública quarenta propostas de alterações legislativas visando a “simplificação dessa tributação e a revisão dos respectivos elementos essenciais, de forma a promover a competitividade económica, a sustentabilidade ambiental e a eficiente utilização dos recursos, no âmbito de um modelo de crescimento sustentável mais eficaz”. Cumpre apreciar.
3. Apreciação Geral do Anteprojecto de Reforma
Através do referido Despacho n.º 1962/2014, “o Governo decidiu iniciar a revisão da fiscalidade ambiental e energética, bem como promover um novo enquadramento fiscal e parafiscal, através do desenvolvimento de mecanismos que permitam a internalização das externalidades ambientais”, tendo para o efeito sido constituída a Comissão para a Reforma da Fiscalidade Verde (doravante, a “Comissão”).
Nos termos do supra referido Despacho, a Reforma deveria “contribuir para a ecoinovação e a eficiência na utilização de recursos, a redução da dependência energética do exterior e a indução de padrões de produção e de consumo mais sustentáveis, bem como fomentar o empreendedorismo e a criação de emprego, a concretização eficiente de metas e objectivos internacionais e a diversificação das fontes de receita, num contexto de neutralidade do sistema fiscal e de competitividade económica (sublinhado nosso)”. Acresce que a Reforma da Fiscalidade Verde deverá ainda orientar-se por critérios de “eficiência alocativa, de simplificação de procedimentos, de previsibilidade, de estabilidade e de equidade”.
Nesta conformidade, cumpre averiguar, por um lado, se a referida Reforma corresponde aos reptos que sob a Comissão foram lançados e, por outro lado, se as medidas propostas cumprem os requisitos de legalidade no quadro do ordenamento jurídico-fiscal vigente.
Primeiramente, cumpre referir que a fiscalidade verde deverá funcionar, em sede de neutralidade fiscal, como um estímulo à inovação e ao desenvolvimento sustentável, contribuindo para conciliar a protecção do ambiente e o crescimento económico, sem agravar a fiscalidade incidente sobre as mais variadas realidades sujeitas a tributação. Este é, aliás, um dos importantes requisitos patentes na lei e no próprio mandato conferido à Comissão para a Reforma da Fiscalidade Verde que, como se logrará demonstrar, nem sempre foi cumprido.
Por outro lado, o conceito de neutralidade fiscal, subjacente à Reforma da Fiscalidade Verde, aplicar-se-á ao sistema fiscal numa perspectiva global, devendo este estar alinhado com os princípios gerais e com os objectivos que regem a política fiscal e a política de ambiente, designadamente os identificados nas normas e orientações nacionais e da União Europeia.
Tal assim é, na exacta medida em que os tributos ambientais têm como função primordial contribuir para incentivar comportamentos que promovam as boas práticas ambientais de actores públicos e privados e, apenas a título subsidiário, responsabilizar as actividades causadoras de danos ambientais, apenas e só nos casos em que exista alternativa para as mesmas.
Acresce que, no que concerne à tributação sobre o consumo lato sensu, a Constituição da República Portuguesa exige expressamente que ela vise a adaptação da estrutura do consumo à evolução das necessidades do desenvolvimento económico e da justiça social. Ora, tal proposição constitucional tem inerente um princípio de equilíbrio e proporcionalidade, ao exigir que a tributação do consumo lato sensu sirva não apenas o desenvolvimento económico, mas também a justiça social. Por conseguinte, o legislador ordinário, leia-se no caso concreto a Comissão para a Reforma da Fiscalidade Verde, não poderá de deixar fazer uma ponderação entre estes dois bens jurídico-constitucionais aquando da formulação de quaisquer propostas susceptíveis de os afectar.
Como corolário deste juízo de proporcionalidade, dir-se-á que, do ponto de vista constitucional, a concreta formulação da Reforma da Fiscalidade Verde poderá promover o alargamento da base tributável ambiental, apenas e só nos casos em que exista uma alternativa viável, credível e economicamente sustentável que possibilite a existência de verdadeiro efeito de substituição, numa óptica de neutralidade fiscal, de equidade, proporcionalidade e, acima de tudo, de justa repartição dos encargos que está subjacente aos bens jurídico-constitucionais expressamente tutelados, in casu o desenvolvimento económico versus justiça e desenvolvimento social e ambiental.
Ora, é precisamente no cumprimento deste comando constitucional que, salvo melhor entendimento, a Comissão para a Reforma da Fiscalidade Verde falha. Senão vejamos.
Perante tal desiderato, a orientação geral da Comissão foi no sentido de tentar combinar três métodos: (i) penalizar o recurso a fontes de energia não renováveis e poluentes, agravando a fiscalidade aplicável; (ii) criação de parcos incentivos fiscais a comportamentos ambientalmente sustentáveis e à potenciação do inerente efeito de substituição; e (iii) a preservação de um saldo orçamental sobejamente positivo entre as receitas adicionais obtidas pelo primeiro método e as receitas perdidas (num primeiro momento, aliás) pelo segundo, de modo a que a fiscalidade verde possa alegadamente contribuir para a redução dos impostos sobre o trabalho.
Por mera questão de metodologia de análise, começar-se-á pelo fim. No entanto, não se entende qual a razão ou fundamento para propor um saldo orçamental desproporcionalmente positivo entre as receitas obtidas à custa do agravamento fiscal incidente sobre os produtos e consumos alegadamente poluentes e os incentivos às boas práticas ambientais e à potenciação do efeito de substituição que as mesmas acarretam. Tal saldo orçamental é tanto mais inconcebível se enquadrado no contexto de uma Reforma que se pretende fiscalmente neutral. Parece, então, que o principal objectivo que presidiu à Reforma não foi a promoção de comportamentos e consumos amigos do ambiente, mas sim o agravamento da carga fiscal incidente sobre actividades, consumos e bens de uso corrente que permita a existência de uma folga orçamental suficiente para permitir um aumento de receita fiscal que servirá, em última análise, para financiar o orçamento geral do Estado.
Por outro lado, se o objectivo da Reforma é a promoção de comportamentos e consumos com o menor impacto ambiental possível, como justificar que o valor destinado às medidas de incentivo à adopção dessas mesmas práticas e ao efeito de substituição que as mesmas acarretam seja inferior ao valor da receita com o agravamento fiscal levado a cabo pelo primeiro método.
Ora as propostas formuladas pela Comissão, ao permitirem a criação de saldo orçamental positivo entre agravamento de impostos e medidas de incentivo ao efeito de substituição, consubstanciam um desproporcional aumento da carga fiscal, não respeitando, por isso, o princípio de neutralidade fiscal inerente à Reforma.
Acresce que tais propostas em matéria de tributação automóvel e dos consumos inerentes ao transporte rodoviário não cumprem outrossim o comando constitucional que lhes impunha o respeito pelo princípio de equilíbrio e proporcionalidade, ao exigir que a tributação do consumo lato sensu sirva não apenas o desenvolvimento económico, mas também a justiça social.
Se as propostas formuladas pela Comissão fossem verdadeiramente equilibradas e proporcionais, nunca haveria um saldo orçamental positivo na ordem dos 180 milhões de euros, porquanto esse acréscimo de receita deveria ser utilizado em incentivos à adopção de comportamentos e consumos ambientalmente eficientes e economicamente viáveis. Tal saldo é, então, prova cabal da violação do princípio da proporcionalidade constitucionalmente consagrado nesta sede.
Tal assim é na exacta medida em que as propostas formuladas traduzem um aumento de impostos que, ainda que eventualmente possa ser considerado adequado ou apto ao fim que se pretende obter (efeito de substituição de comportamentos e consumos com impacto ambiental negativo, por outros mais sustentáveis), per se, não é nem condição indispensável ao referido fim, nem é equilibrado do ponto de vista da relação custos/benefícios, ou seja, não existe proporção entre as vantagens decorrentes da implementação das propostas e os sacrifícios inerentes dos interesses privados traduzidos no aumento significativo de impostos. Por tudo isto, mostra-se flagrantemente violado o princípio da proporcionalidade nas suas dimensões de necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito ou proibição do excesso, pelo que a referida Reforma, salvo melhor opinião, padece de grave inconstitucionalidade material.
De resto, a Reforma da Fiscalidade Verde deve, como todas as reformas, ser analisada à luz dos princípios conformadores do sistema. Mais, ao determinar, ela própria, um conjunto de princípios orientadores para as suas medidas, é flagrantemente incompreensível a falta de observância destes mesmos princípios.
Atente-se no princípio da neutralidade fiscal. Este princípio obriga a que as medidas propostas no seio desta Reforma devam sempre orientar-se no sentido da manutenção do equilíbrio fiscal. De facto, não deve esta Reforma vir mascarar um aumento de impostos mas sim operar de forma a promover uma justa contraposição entre a receita arrecadada e os benefícios concedidos aos contribuintes, num contexto de promoção de práticas ambientais sustentáveis.
Não é o que sucede na proposta, porquanto, em primeira linha, esta Reforma determina um aumento da carga fiscal, entre taxas e impostos, de 180 milhões de euros, só determinando incentivos correspondentes a 20 milhões de euros. Este saldo deverá ser mobilizado para um sistema de abate de automóveis poluentes, quer particulares, quer transportes coletivos e táxis, que representam a principal fonte poluidora das cidades, conseguindo-se com isso estimular a economia, reduzir emissões poluentes, melhorar qualidade de vida, reduzir as gravíssimas doenças provocadas pela poluição.
Na verdade, não há uma qualquer reestruturação do complexo tributário, propriamente dita, que o reorganize de forma a favorecer a utilização de meios de transporte menos poluentes sem prejuízo para o contribuinte. Tampouco existe qualquer desenvolvimento do conceito de parafiscalidade verde, mas antes uma tributação descontextualizada que em última escala incidirá sobre o rendimento das empresas e das pessoas singulares.
4. Impacto Fiscal da Reforma
As modificações tributárias não podem descurar a realidade económico-social do ordenamento a que se irão aplicar, nem deixar de encarar, não apenas num sentido teórico mas também numa dimensão prática, os seus destinatários e a conjectura em que estes se movimentam.
Segundo dados veiculados pela própria Comissão para a Reforma da Fiscalidade Verde, no relatório do Anteprojecto para a Reforma da Fiscalidade Verde, em Portugal, por razões estruturais que se prendem essencialmente com a ausência de infra-estrutura ferroviária, cerca de 93,9 % do transporte de mercadorias é realizado através de transporte rodoviário, e cerca de 84% das pessoas que diariamente afluem ao maior centro do país, Lisboa, utilizam automóveis particulares.
Estes dados demonstram de forma directa duas vertentes de uma mesma realidade: o papel fulcral do automóvel no quotidiano da larga maioria da população e empresas nacionais, e por outro, a incapacidade dos meios de transporte alternativos, enquanto rede de sistemas e enquanto infra-estrutura instalada, em representar uma alternativa viável, eficiente e economicamente equivalente ao transporte rodoviário.
Conforme expressamente reconhece a Comissão para a Reforma da Fiscalidade Verde, esta repartição modal dominada pelo transporte rodoviário, que em Portugal pesa 93,9% no transporte de mercadorias (mais 16% do que no conjunto da União Europeia) representa um forte contraste com a importância do transporte ferroviário na Europa, onde corresponde a mais de 17% do transporte de mercadorias (meio de transporte que em Portugal não vai além dos 6%).
Acresce que, no seio da União Europeia a 27, a preferência pelos veículos ligeiros de passageiros é igualmente clara, pelo que o fenómeno não é exclusivamente nacional. Contudo, e atendendo às insuficiências ao nível da infra-estrutura e da operacionalidade do transporte ferroviário em Portugal, seria de esperar que o efeito de substituição levasse ao aumento generalizado do transporte rodoviário. Mas tal assim não é, na medida em que no seio da União Europeia, a preferência pelos veículos ligeiros de passageiros apenas é ligeiramente menos expressiva do que aquela que é demonstrada em Portugal. Ora, seria de esperar que, num país como Portugal, onde a infra-estrutura ferroviária é deveras insuficiente, a preferência do transporte ligeiro de passageiros fosse superior. Com efeito, como refere a própria Comissão para a Reforma da Fiscalidade Verde no relatório do Anteprojecto para a Reforma da Fiscalidade Verde, a preferência pelos veículos ligeiros de passageiros é na União Europeia apenas ligeiramente menos expressiva (-0,9%) do que em Portugal, mas o peso de utilização do transporte ferroviário é mais significativa, 7,1% em 2010.
Acresce que, ainda de acordo com os dados veiculados pela Comissão, no que respeita ao transporte de passageiros, os veículos ligeiros de passageiros tinham um peso de 85%, em 2010, face a 71,7% em 1990. Conforme reconhece a própria Comissão, nos últimos vinte anos, esta evolução dos veículos ligeiros particulares contrasta com a redução da utilização de comboios motivado pelo desinvestimento no transporte ferroviário, com um peso de 4,1%, em 2010, quase menos 6 pontos percentuais do que o ano base, e dos "autocarros, eléctricos e tróleis", cujo peso baixou de 13,6%, em 1990, para 10,9% em 2010.
A infra-estrutura ferroviária transportou 149 milhões de passageiros em 2011, traduzindo uma quebra de 2,6% face a 2010 e acentuando a tendência de anos anteriores, sendo que o segmento suburbano abrangeu 89,4% do total de passageiros transportados, mas verifica-se uma redução nos três tipos de tráfego, mais acentuada no transporte internacional (-7,9%) e longo curso (-7%), dado que no suburbano a quebra foi de apenas 2%.
Ora, um aumento da carga fiscal incidente sobre o automóvel, no contexto actual, deve levar em conta as repercussões socioeconómicas nos sujeitos passivos, sejam estes entidades privadas ou empresariais. O aumento da carga fiscal num elemento que como vimos se apresenta tão omnipresente, tanto para as famílias como para o tecido empresarial, implica, enquanto reflexo do arrecadar de receita, um aumento para os custos operativos de que os agregados familiares e as empresas podem não conseguir dispor, por completo ou pelo consumo das margens que estas consigam obter, e sempre sob pena de por esta via se comprometer irremediavelmente os objectivos de recuperação económica a que o Estado se comprometeu. Está, então, e causa o aumento dos impostos directamente incidentes sobre o rendimento disponível das famílias e sobre a actividade comercial das empresas, o que no actual contexto retirará certamente competitividade à economia Portuguesa.
Por outro lado, as possibilidades de abertura do espaço económico europeu, enquanto mercado e economia comum, permitem a potenciação de fenómenos de cross-border shopping, pela qual os operadores económicos podem facilmente obter regimes mais vantajosos e assim manter-se mais competitivos, com a inerente perda absoluta de bem estar.
Sucede que este fenómeno de Cross-border Shopping é já uma realidade, não apenas nas zonas raianas, mas também em todo o território nacional. Pense-se, a título de exemplo, no sector do transporte rodoviário de mercadorias onde é hoje possível que o abastecimento operacional dos veículos explorados comercialmente por empresas de transporte portuguesas seja primordialmente realizado em território espanhol, onde não só o preço do combustível antes de impostos é mais baixo, como a carga fiscal sobre eles incidente é substancialmente mais baixa do que a praticada em portugal, não só a nível de IVA, como também em sede Imposto sobre os Produtos Petrolíferos. Ora, salvo o devido respeito, a eventual aprovação das medidas ora propostas pela Comissão agravará tal situação, contribuindo não só para a redução da competitividade das empresas portuguesas que terão os seus custos agravados, como, em última escala, contribuirá para a redução da receita fiscal.
Além disso, cumpre enfatizar, uma vez mais, que a perda absoluta de bem-estar pelo agravamento fiscal pelo aumento na oneração dos custos associados aos automóveis levará os operadores serem economicamente incentivados a obter soluções com maior retorno no estrangeiro, ou no limite, verem-se forçados a abdicar dos seus projectos na medida em que estes não geram os resultados de que necessitam ou que pretendem – em qualquer dos casos, que se mostram mais e mais presentes num cenário de crise e posterior esforço de recuperação, o aumento ainda que marginal da tributação leva à potencial perda, no limite total, da receita que se visa arrecadar na medida em que o sujeito passivo do tributo evita ou pura e simplesmente abdica de praticar o acto que seria gerador de imposto.
Esta perda configura-se como absoluta, pois ambos os intervenientes, o Estado e o sujeito passivo de imposto, perdem a vantagem que pretendiam obter em primeiro lugar.
Mais alarmante ainda que as empresas e os particulares deslocarem as suas escolhas para além fronteiras, nomeadamente adquirindo automóveis usados (mais poluentes) no estrangeiro ou procedendo ao abastecimento dos mesmos além-fronteiras, será ver as empresas fortemente ligadas ao sector rodoviário, nomeadamente as transportadores rodoviárias, que como vimos representam perto de 94% do transporte terrestre de mercadorias em Portugal, deslocarem toda a sua actividade, com uma enorme perda de competitividade económica para o país e para as empresas do sector exportador que necessitam de colocar no exterior os seu produtos, com a inerente perda de receita não só a título de IRC, como pela perda de outros tributos que lhes sejam aplicáveis, dos postos de trabalho dos seus trabalhadores, e dos rendimentos do trabalho de que as famílias desses trabalhadores neste momento tanto dependem.
Ocorre que o agravamento do ISV em função das emissões de carbono, por exemplo, quando conjugado com a tributação, per se, do carbono em sede de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos, resulta numa dupla tributação da mesma realidade o que acarretaria um aumento injustificado da carga fiscal. Sendo aliás violador do princípio da capacidade contributiva a tributação repetida do mesmo facto. Capacidade contributiva aqui expressa quer no poder aquisitivo de automóveis e combustíveis que tendencialmente diminuirá, quer no efeito de arrasto a outros sectores, como o exportador, quer na essencialidade do transporte rodoviário tem hoje na economia portuguesa.
É, aliás, uma medida que dificilmente se compreende, à luz deste princípio, na medida em que se integra num conjunto de propostas que oneram os contribuintes, destruindo o equilíbrio receita/despesa e desviando o custo da Reforma Verde para cargo dos contribuintes. Ora, tal desvio contraria, conforme se demonstrou, um dos principais objectivos da Reforma, isto é, o princípio da neutralidade fiscal.
Ao mesmo tempo, considere-se o aumento de tributação do sector do transporte aéreo. Nas palavras da Comissão, este não é susceptível de gerar um impacto regressivo uma vez que não são os titulares dos rendimentos mais baixos aqueles que utilizam os transportes aéreos. Independentemente do mérito duvidoso de tal afirmação, não deixa de ser curioso que os grandes benefícios fiscais avançados neste Projecto se dirijam, quase exclusivamente, a automóveis que, pelo seu elevado valor comercial e pela limitadíssima oferta (i.e. os automóveis eléctricos e híbridos, etc.), nunca se enquadrarão na capacidade aquisitiva da maioria da população portuguesa.
A neutralidade fiscal, embora, possa ser contemplada na medida daquilo que se recebe através da promoção de escolhas ambientalmente correctas, fica profundamente abalada quando estas escolhas não alcançam o efeito de substituição por elas visado.
A tributação “verde” não deveria constituir um fenómeno tributário regressivo ou estagnário, mas sim progressista, tendo em vista os fins de eficiência ecológica que lhe estão subjacentes. Em primeira linha, deveria procurar-se o fomento de um efeito de substituição, em que o operador económico, na senda dos inerentes objectivos parafiscais, é compelido a fazer escolhas económicas em que modifique a sua conjectura presente para uma que se perspective progressivamente mais verde.
Há, no entanto, uma falta de correspondência entre a prática e a teoria. Tanto a falta de infra-estruturas (veja-se a título de exemplo a escassez de parques de estacionamento fora dos grandes centros urbanos que permitam a população usar os transportes coletivos nas zonas urbanas) como a inexistência, pelo lado dos construtores, numa economia de escala de viaturas tecnicamente amigas do ambiente que se traduz em elevados custos deste tipo de veículos entre outros factores, que impede a verificação deste efeito de substituição.
Este fenómeno de substituição concretizar-se-ia, em nosso entender, em dois momentos fundamentais. Primeiro, através de um incentivo fiscal verdadeiramente persuasor ao abate que determine que os veículos com maior efeito poluente sejam descartados. Num segundo momento, através da promoção de aquisição de carros ecologicamente mais eficientes atendendo à oferta efectivamente existente no mercado automóvel.
4.1. Incentivo fiscal ao abate
Relativamente ao abate de veículos “em fim de vida”, refira-se que o incentivo fiscal previsto no Projecto de Reforma de Fiscalidade Verde peca por erro e insuficiência. De facto, o verdadeiro e mais significativo “desconto” no ISV (€ 3.500,00) é conferido aos veículos eléctricos que como já são isentos de ISV não vão auferir deste incentivo. É uma mão cheia de nada…
Por outro lado, o desconto no ISV concedido ao nicho de mercado dos veículos híbridos “plug in” (€ 2.500,00), por acarretarem um investimento inicial de significativo montante, não estão ao alcance da maioria dos cidadãos que compõem a classe média, nem do tecido empresarial maioritariamente composto por PME’S.
Por último, o desconto no ISV concedido à última categoria (€ 1.000,00), aplicar-se-á apenas a uma oferta de veículos no mercado automóvel muito escassa, já que integrará apenas os veículos que emitem menos de 100gr/km de CO2. Refira-se que o valor deste desconto é inferior ao concedido em 2007, apesar do ISV ser bastante superior...
Acresce que o Projecto não desenvolve qualquer medida susceptível de aferir os reais efeitos da sua concretização prática. Acresce que a despesa fiscal estimada em três milhões, além de manifestamente insuficiente, carece de qualquer fundamentação e, mais, no contexto das outras medidas, como abaixo será visto, revela-se desprovida de qualquer contrapartida.
4.2. Promoção de aquisição de veículos menos poluentes
Para o efeito, o Projecto prevê medidas específicas ao nível ISV, IVA, IRS, IRC e de IUC que pecam por insuficientes ou excessivamente onerosas. No que respeita a aquisição de veículos menos poluentes, são propostas as seguintes medidas:
- Aumento gradual dos limites a partir dos quais não sejam aceites como gastos fiscais as depreciações de viaturas eléctricas em sede de IRC e de IRS.
- Redução das taxas de tributação autónoma dos encargos dedutíveis com viaturas ligeiras de passageiros a GPL e GNV em 25% e com viaturas ligeiras de passageiros Plug-in em 50% em sede de IRC e IRS.
- Possibilidade de dedução do IVA relativo à aquisição, fabrico ou importação, locação, utilização, transformação e reparação de viaturas de turismo eléctricas ou híbridas Plug-in.
- Alargamento das isenções previstas, em sede de ISV e de IUC, para os veículos eléctricos a híbridos, GPL e GNV.
Trata-se de soluções que, embora com algum mérito, são manifestamente insuficientes e desproporcionais, pois nunca vão alcançar o objectivo de substituição de forma eficaz, pela simples razão que o aumento de impostos paralelo aplicável a viaturas com motor a combustível continua a resultar num preço inferior àquele das alternativas ecológicas para veículos elétricos e híbridos.
Por outro lado, também cumpre referir que viaturas também trazem uma série de inconvenientes que não estão resolvidos, quer ao nível de autonomia das baterias, quer ao nível das infra-estruturas das cidades que não estão preparadas para os receber, nomeadamente, ao nível dos postos de abastecimento de electricidade e de gás, de estacionamento, entre outros.
A verdade é que, dada a conjuntura económica e o facto de grande parte do nosso tecido empresarial ser composto por pequenas e médias empresas, um investimento particular em grande massa neste tipo de veículos será praticamente inexistente, em virtude do elevado preço que os mesmos apresentam face às alternativas de veículos com combustíveis fósseis. Assim já não será se se optar pela criação de verdadeiros incentivos à compra deste tipo de veículos mais recentes, tecnicamente mais evoluídos e menos poluentes em dimensão e valor tais que potenciem o efeito de substituição.
Nestes termos, embora não se considere que não se deva investir num sistema tendente a soluções mais ecológicas, não se pode deixar de considerar que o conjunto destas reformas implica uma oneração excessiva sobre os contribuintes sem contrapartidas efectivas que permitam justificar essa oneração, não chegando nunca a verificar-se um verdadeiro fenómeno de substituição. Com efeito, aos dias de hoje, as alternativas ao transporte rodoviário tido como “mais poluente” são ainda limitadas e excessivamente onerosas para o comum dos contribuintes e para o tecido empresarial português que como se sabe assenta sobretudo em PMEs.
Ainda no âmbito do seu mandato, decidiu a referida Comissão para a Reforma da Fiscalidade Verde formular uma proposta de tributação do carbono. Trata-se, com efeito, da introdução de uma medida sem precedentes no sistema fiscal português e cujo impacto será deveras significativo no tecido económico português.
Com efeito, no que ao sector automóvel diz respeito, cumpre relembrar que as emissões de carbono são já tidas em consideração em sede de ISV, pelo que não se vislumbra a necessidade de introdução de um novo imposto sobre uma realidade que já é tributada. Além acarretar uma desnecessária complexificação do sistema fiscal português, é altamente gerador de ineficiência, pois onera a utilização de um bem que é essencial à famílias e às empresas na prossecução da sua actividade comercial, contribuindo ainda para o retirar de competitividade à economia que se traduz no aumento dos custos fixos das empresas.
Tal assim é, na medida em que o alegado dano ambiental pode ser abordado por via fiscal mediante a tributação do output (produto final e respectivas emissões poluentes) ou do input (factores de produção) da actividade à qual está associado, mas nunca pelo cúmulo das duas realidades, tal como propõe agora a Comissão, pois tal tornaria essa dupla tributação verdadeiramente confiscatória, por isso, violadora dos mais elementares princípios de direito fiscal.
5. Medidas Alternativas por Uma Verdadeira Fiscalidade Verde
Nada neste Anteprojecto promove alterações significativas na Mobilidade, apenas um aumento da carga fiscal sobre as viaturas automóveis que utilizam combustíveis fósseis.
Este Anteprojeto tem de propor alterações na fiscalidade que incentivem a renovação imediata do parque automóvel (particular, transportes públicos e táxis), envelhecido e altamente nocivo para a saúde pública. Este diferencial terá um efeito perverso de um desprezo por esta Reforma e os seus objectivos.
Tendo em conta o que acima foi explanado relativamente à ineficácia do projecto apresentado pela Comissão no que toca ao desenvolvimento de um verdadeiro efeito de substituição, apresentam-se, de seguida, algumas medidas fiscais que poderão ajudar a equilibrar o saldo exageradamente positivo no que à arrecadação de receita fiscal diz respeito, procurando uma efectiva neutralidade fiscal que promova mais benefícios para os contribuintes, aumentando as probabilidades de sucesso de uma mudança comportamental que favoreça o ambiente.
(i) Incentivo especial ao abate – A reintrodução do incentivo fiscal ao abate de veículos em fim de vida parece-nos uma medida muito positiva, dado o envelhecimento e falta de renovação do parque automóvel português, que tem, como afirma a Comissão, um efeito directo negativo sobre o nível de emissões poluentes. No entanto, conforme referido acima, e não pondo em causa o mérito das alternativas avançadas pela Comissão para este efeito, parece-nos que a despesa fiscal estimada relativamente a esta medida se mostra insuficiente para que a mesma constitua um verdadeiro incentivo para os contribuintes.
Apenas um incentivo ao abate cujo desconto ao ISV tenha como real ambição reduzir a idade média do parque automóvel tornando-o menos poluente (mais de 50% das viaturas em Portugal têm mais de 10 anos), tendo em conta a oferta comercial existente e a capacidade de aquisição dos portugueses, alcançará um efeito de substituição.
(ii) Dedução à colecta em sede de IRS no valor do IVA suportado na aquisição de veículos menos poluentes (até ao 2.º escalão de ISV), híbridos e eléctricos – Por forma a contrariar a rigidez das regras que regulam o sistema IVA, várias vezes referida pela Comissão ao longo do seu relatório, e considerando que a incidência deste imposto tem um efeito dissuasor da procura de veículos que, ainda que menos poluentes, tenham um valor comercial mais elevado, a criação de uma dedução à colecta em sede de IRS no valor do IVA suportado pelo contribuinte aquando da aquisição destes últimos funcionaria como um incentivo que em muito contribuiria para o efeito de substituição almejado pela Reforma. Esta proposta transpõe para Portugal, ainda que de forma mais abrangente, o regime de incentivos criado nos Estados Unidos (benefício fiscal de 7500 USD em virtude de compra de veículos de reduzidas emissões ou eléctricos) e na China.
(iii) Crédito fiscal para modernização das frotas de veículos de transporte de mercadorias e da frota automóvel das empresas – Conforme referido anteriormente, o transporte rodoviário quer de mercadorias, quer de passageiros, tem um peso absolutamente decisivo em Portugal, o que é, de resto, reconhecido pela própria Comissão. Ora, os avanços tecnológicos das últimas décadas foram permitindo o desenvolvimento de viaturas muito mais eficientes em termos ecológicos: as emissões poluidoras dos camiões modernos foram reduzidas em quase 98% desde 1990 e o seu consumo de combustível foi reduzido em mais de um terço relativamente a 1970 (um camião moderno necessita apenas de um litro de combustível para transportar uma tonelada de mercadoria por cerca de 100 quilómetros). Deste modo, parece-nos importante a criação de incentivos fiscais que promovam a renovação das frotas das empresas transportadoras de mercadorias e de passageiros sediadas em Portugal, como por exemplo através da criação de um crédito fiscal extraordinário que consista numa majoração da dedutibilidade de gastos com a aquisição de veículos tecnologicamente mais avançados. Este tipo de medidas tem sido adoptada em países como a China, os Estados Unidos da América, a Dinamarca, a Noruega e a Suécia, tendo alcançado significativo impacto na redução de emissões.
(iv) Dedução à colecta gradual em sede de IRS que incentive a compra de veículos menos poluentes – A barreira do alto valor comercial dos veículos mais ecológicos poderá ser ultrapassada mediante a criação de incentivos fiscais adequados, que levem a uma efectiva alteração comportamental dos contribuintes em termos ambientais. Uma forma de atingir esse objectivo poderá ser através da criação de deduções à colecta em sede de IRS que permitam, de forma gradual e em função do tipo de veículo adquirido, a atribuição de um “prémio” aos contribuintes que optem por adquirir veículos menos poluentes.
(v) Dedução à colecta em sede de IRS de valores incorridos para a transformação de veículos por forma a permitir a utilização de GPL e GNV – Esta proposta foi avançada mas acabou por ser rejeitada pela Comissão devido à mesma se afigurar de difícil controlo por parte da Autoridade Tributária. Parece-nos, no entanto, que tendo em conta os benefícios ambientais que a utilização deste tipo de veículos representa face à utilização de outras viaturas que utilizam outros combustíveis fósseis, o esforço de meios técnicos e humanos que seria exigível para um controlo cabal deste tipo de situação por parte da AT seria largamente justificável. De facto, esta medida teria, a nosso ver, um potencial de efeito de substituição bastante elevado uma vez que, dada a actual situação socioeconómica do país, permitiria aos contribuintes um investimento que, além de muito positivo em termos ambientais, lhes permitiria obter um retorno tendo em conta o valor de mercado do GNV, bastante inferior ao da generalidade dos outros combustíveis fósseis, e não precisando estes, ainda para mais, de adquirir um novo veículo para esse efeito.
(vi) Aplicação da receita arrecadada na criação de infra-estruturas – Para que as medidas propostas pela Comissão levem a um verdadeiro efeito de substituição, o Estado deverá, como mencionado acima, investir em infra-estruturas que contribuam para uma circulação automóvel com menos emissões de CO2, como por exemplo a criação de mais faixas especiais para circulação de transportes públicos nas grandes cidades, sendo estes os grandes responsáveis pelos elevados níveis de poluição das áreas de maior movimento, ou o estabelecimento de obrigatoriedade da renovação das respectivas frotas com veículos menos poluentes, bem como em infra-estruturas que tornem mais apetecível a utilização de veículos menos poluentes, como seja a instalação de postos de abastecimento de electricidade ou de GPL/GNV ou a criação de parques de estacionamento junto de estações multimodais que permitam o “depósito” dos veículos ligeiros de passageiros e a substituição, a partir de certo ponto do percurso suburbano, pelo transporte público ferroviário, optimizando assim as soluções de “commuting”.
(vii) Isenção ou redução para metade do ISP aplicável sobre GPL e GNV – Esta proposta esbarrou igualmente na vontade da Comissão, que considerou que a mesma não deveria ser acolhida uma vez que estes produtos têm origem fóssil e os níveis de tributação que sobre eles recaem são muito baixos. Ainda assim, sendo certo que se tratam de produtos de origem fóssil, não deixa de ser notória a vantagem ambiental da sua utilização em detrimento de outros combustíveis fósseis mais poluentes, razão pela qual nos parece razoável a aplicação de isenções sobre os mesmos. Conforme explicado acima, o potencial efeito de substituição promovido por este tipo de medida parece-nos muito mais enquadrado com a conjuntura actual do que a aposta noutro tipo de veículos, como por exemplo os eléctricos, sendo muito mais credível o surgimento de uma verdadeira mudança comportamental por parte dos contribuintes neste campo.
(viii) Redução do ISP e aumento dos níveis de incorporação obrigatória de biocombustíveis nos combustíveis fósseis - A redução do ISP aplicável aos biocombustíveis foi proposta à Comissão, tendo sido rejeitada dado que as matérias-primas necessárias à produção de biocombustíveis não são produzidas em Portugal, sendo os equipamentos igualmente importados, considerando ainda que a obrigação de incorporação dos biocombustíveis nos combustíveis fósseis é uma medida de política fiscal adequada. A nosso ver, e dado que grande parte das matérias-primas necessárias à produção de outros combustíveis fósseis não são igualmente produzidas em Portugal, o argumento da Comissão não é convincente, uma vez que a redução do ISP não deixaria de ser um incentivo fiscal benéfico, não sendo de todo incompatível com a obrigação de incorporação de biocombustíveis nos combustíveis fósseis. Parece-nos, ainda, que as proporções relativas às metas de incorporação deverão ser progressivamente revistas no sentido de promover uma crescente utilização dos biocombustíveis.
6. Conclusões
Do acima exposto podemos portanto concluir que, salvo melhor opinião, o Anteprojecto de Reforma da Fiscalidade Verde não respeita os princípios da proporcionalidade e da neutralidade fiscal, uma vez que o diferencial apresentado entre custos e benefícios para os contribuintes, é manifestamente desequilibrado. Poder-se ia pensar que, apesar do diferencial exageradamente positivo verificado entre as previsões de receita arrecadada e despesa, que os benefícios ambientais trazidos pela mudança comportamental visada pelo Anteprojecto traduzir-se-iam num reequilibrar da balança e no respeito pelo Princípio da Neutralidade Fiscal, que, diga-se, é considerado como “princípio orientador” da Reforma pela própria Comissão. Não é, no entanto, o que se verifica.
De facto, no que aos transportes diz respeito, o Anteprojecto peca, não propriamente pelo desmérito das medidas propostas, mas antes pela sua insuficiência e, em alguns casos, quase inutilidade tendo em conta o panorama global. Neste sentido, e no quadro da consulta pública, mais uma vez defendemos que apenas a adopção das medidas propostas no ponto 5 do presente parecer poderão complementar a Reforma de modo a promover uma efectiva mudança comportamental da parte dos contribuintes que promova práticas ambientais com a relevância necessária à salvaguarda do Princípio da Neutralidade Fiscal, que deveria ser transversal a este Anteprojecto.
A mobilidade é um factor importantíssimo para o bem-estar e qualidade de vida do ser humano, e o automóvel contribui de forma significativa para esta realidade, pelo que é imprescindível não desperdiçar esta oportunidade de aliar esta necessidade fundamental a uma melhoria sustentável do ambiente e da qualidade de vida das populações.
Este é, salvo melhor opinião, o nosso entendimento.
Lisboa, 30 de Julho de 2014
Tiago Caiado Guerreiro
Caiado Guerreiro & Associados – Sociedade de Advogados RL