Desconhecerão por certo as novas gerações, que no tempo dos nossos avós se circulava pela esquerda em Portugal. E não foi a bem mais recuada transição tracção animal/tracção motorizada que alterou a situação.
Quando os primeiros automóveis vieram para o nosso País, a partir de 1895, em matéria de trânsito, alinharam com as carroças e as galeras e todos os veículos davam o lado direito da via para os mais apressados seguirem o seu destino.
Veio a ser numa época em que o automóvel já tinha os seus créditos firmados como veículo transportador, que em Portugal se entendeu por bem seguir o exemplo da maior parte dos países da Europa. E há 90 anos - a partir de 1 de Junho de 1928 - todos nós, portugueses, passámos a circular pela direita.
Curioso será lembrar que, na mesma época, além da mudança de circulação, também no nosso País se processou uma mudança política. A esquerda era passado e a "ordem do dia", espalhada de Norte a Sul, era "PELA DIREITA". Não houve problemas de maior e, na Europa, só a Suécia, até 1967, e as Ilhas Britânicas, até hoje, se mantiveram fiéis à circulação pela esquerda.
Foi o Código da Estrada que se publicou em 1928, que estabeleceu no nosso País um sistema internacional de circulação já em uso em muitos países do mundo, cabendo ao Conselho Superior de Viação o lançamento das novas bases do tráfego nas estradas.
Com as entidades oficiais colaboraram a Vacuum Oil Company, o Diário de Notícias e o Automóvel Club de Portugal que, pelos meios ao seu alcance, procuraram orientar os automobilistas, quanto à inovação que se anunciava.
E apesar de os pessimistas terem previsto as mais desastrosas consequências em virtude da confusão a que a nova lei poderia vir dar origem, o certo é que tudo correu na melhor ordem.
Com bastante antecedência, o ACP fez publicar nos principais jornais diários elucidativos avisos, lembrando "a todos os seus consócios, aos automobilistas em geral e ainda a todos os condutores de veículos que circulam no país, de que a partir da meia-noite de 31 de Maio para 1 de Junho, a circulação geral muda, fazendo-se ao contrário do que está estabelecido, isto é, todos os veículos civis e militares passam a rodar pela direita, dando a esquerda ao centro das estradas e ruas em todo o território do Continente e Ilhas Adjacentes, fazendo-se a ultrapassagem pela esquerda do veículo a ultrapassar".
Por sua vez, o Conselho Superior de Viação, no intuito de esclarecer as populações rurais, enviou a todos os párocos uma circular, solicitando-lhes que, à hora da missa, chamassem a atenção dos seus paroquianos para as novas directizes rodoviárias que se anunciavam e que em breve iam ser postas em prática.
Toda a imprensa salientava também que, a fim de se evitarem desastres, não deviam os automobilistas, nos primeiros tempos em que o novo sistema estivesse em prática, exceder a velocidade de 30 quilómetros horários.
A Vacuum Oil Company e o Diário de Notícias tomaram então a iniciativa de mandar afixar por todas as estradas do país e nas principais ruas das cidades e vilas, largos letreiros em tela, com três metros de comprido atravessados de um lado ao outro da via e em que foram apostos em letras visíveis a grande distância os dizeres "PELA DIREITA - Desde 1 de Junho".
Estes letreiros foram confeccionados nas oficinas da Vacuum, à Junqueira, chegando-se a uma produção de 500 "placards" diários. Por outro lado, realizou-se uma larga digressão pelo centro de Portugal, para melhor prevenir a população, tendo-se percorrido 1000 quilómetros em 27 horas.
Refere a imprensa da época que, no dia da mudança de sistema e seguintes, os carreiros e os almocreves, no seu vaivem diário a caminho da Praça da Figueira, em Lisboa, foram os que mais se queixaram e os que mais infracções cometeram, lamentando muitos deles que os animais ficassem sacrificados com o esforço que tinham de passar a fazer para vencerem certas subidas que até aí desciam.
Não se verificaram, porém, consequências desastrosas e a Polícia exerceu um serviço modelar. Os automóveis, especialmente os táxis, ostentavam tiras de papel encarnado com setas pintadas a preto e com os dizeres que estavam na ordem do dia, "Seguir pela direita", havendo até alguns peões, com um certo espírito mas que se mostraram úteis, que "afixaram" nos casacos e nos chapéus, dísticos com as palavras "Siga pela direita".
Alguns carros eléctricos saíram das calhas por tardia mudança de agulhas. Curiosamente, um jornal diário deu a saber que em Lisboa se verificaram "quedas de carros eléctricos", com indicação de nomes e moradas da pouco mais de meia-dúzia das "vítimas" da mudança de circulação na capital.
A circulação pela esquerda, em território português, manteve-se, porém, em Moçambique e em Macau, por influência do que se praticava e pratica nos territórios vizinhos.
Recordo que conduzi pela primeira vez pela esquerda em 1964, na Suécia, quando da minha viagem ao Norte da Europa.
Vasco Callixto
Sócio nº 2.017, neto de Carlos Callixto, membro fundador do ACP.
Artigo originalmente publicado no semanário "O Diabo", de 22 de maio de 2018.