A notícia correu como um rastilho: a União Europeia estava a preparar legislação que determinava que a maior parte dos carros antigos iam ganhar automaticamente o estatuto de Viatura em Fim de Vida, ou seja, um veículo que vai ser abatido fisica e fiscalmente.
Mas a informação é falsa. Na verdade, tudo resulta de uma proposta de regulamento, apresentado pela Comissão Europeia, que redefine completamente a classificação dos resíduos dos automóveis e a sua gestão no final da sua vida útil, a fim de promover a chamada economia circular. A Comissão Europeia já desmentiu, segunda-feira passada, através do seu porta-voz, Adalbert Jahn, que a proposta visa impedir "a reparação ou a mudança de motores de automóveis quando necessário". Também não há referência, no texto da proposta da Comissão, a um qualquer limite de 15 anos nas regras a aplicar aos veículos em fim de vida. Apesar disso, foram várias as notícias publicadas em Portugal a referir essa idade das viaturas. Com a medida, a UE pretende regulamentar e acelerar o abate e a reciclagem de viaturas em fim de vida.
O regulamento estabelece taxas mínimas de reutilização, reciclagem e valorização e obriga os fabricantes de automóveis a fornecer instruções pormenorizadas para a substituição ou a retirada de peças e componentes. Mas também estabelece critérios para determinar se um automóvel é reparável ou está em fim de vida, o que será essencial para a sua eventual venda como automóvel usado.
Por outras palavras, trata-se de uma medida destinada a evitar que um automóvel em fim de vida seja vendido para contornar as regras de gestão dos resíduos, combatendo a exportação desregrada, mas, teoricamente, o proprietário não será obrigado a desfazer-se do automóvel enquanto o quiser conservar. Também não há nada que mencione os veículos históricos, já que na proposta da Comissão Europeia não há qualquer regra baseada na idade/antiguidade dos automóveis.
O ponto é saber quando termina a vida útil de um veículo aos olhos da Comissão Europeia. Por outras palavras, em que momento é que um veículo se torna um veículo residual, que não pode ser vendido e que, por conseguinte, se destina a ser gerido como resíduo, sem poluir o ambiente e aproveitando parte das suas matérias-primas. A este respeito, o regulamento indica que um veículo será classificado como tecnicamente irreparável se tiver sido cortado em pedaços ou desmontado, se tiver sido soldado ou selado com espumas, se tiver sido completamente queimado com o compartimento do motor ou o habitáculo afetados, ou se tiver sido imerso em água até um nível acima do painel de instrumentos.
Além disso, um veículo será também classificado como tecnicamente irreparável se não for possível resolver problemas nas ligações ao solo (pneus e jantes), na suspensão, na direção, nos travões, nas fixações dos bancos, nos airbags e pré-tensores dos cintos de segurança ou no chassis, ou se a sua estrutura e segurança geral apresentarem defeitos técnicos irreversíveis, como metal envelhecido, corrosão evidente por perfuração ou problemas graves no primário da carroçaria.
Mas a proposta prevê também, e é aqui que surge a principal polémica das últimas semanas, que um veículo será declarado tecnicamente irreparável, ou residual, se a sua reparação exigir a substituição do motor, da caixa de velocidades, da carroçaria ou do conjunto do chassis, e também se tiver um valor de mercado inferior ao custo das reparações necessárias para que possa ser aprovado nas Inspeções Periódicas Obrigatórias - IPO.
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Este último aspeto abre um vasto leque de possibilidades. O regulamento também aborda outros pormenores que podem levar a que um veículo seja classificado como residual: se o sistema elétrico for afetado pela imersão, se as portas não estiverem fixas à carroçaria, se houver fugas de combustível ou se gerar vapores susceptíveis de provocar um incêndio ou uma explosão, se houver fugas de outros fluidos poluentes, como o líquido dos travões, o líquido de arrefecimento/anticongelante ou o ácido da bateria, ou se a direção ou os travões não funcionarem corretamente devido ao desgaste excessivo dos seus componentes.
E, em qualquer caso, um automóvel pode também ser declarado residual e ter chegado ao fim da sua vida útil na ausência de meios de identificação, como o número de chassis, ou se não tiver sido aprovado na Inspeção Obrigatória durante mais de dois anos a contar da data em que o deveria ter feito pela última vez.
Um longo processo legislativo
Apesar da polémica, o processo legislativo ainda vai "no adro". A proposta de regulamento foi apresentada pela Comissão Europeia a 7 de julho de 2023, mas ainda faltam o Parlamento Europeu (que pode aprovar ou alterar essa mesma proposta), sendo depois a vez do Conselho Europeu, que pode aceitar a posição do Parlamento Europeu ou mesmo alterá-la - nesse caso, a proposta é novamente analisada pelo Parlamento Europe. Ou seja, normalmente, o processo legislativo integral contempla, pelo menos, um período total de quase um ano. A atual legislatura do Parlamento Europeu termina em junho deste ano e as eleições europeias estão marcadas para os dias entre 6 e 9 de junho de 2024, o que quer dizer que o mais provável é não haver tempo para o Parlamento Europeu votar esta proposta da Comissão nesta legislatura.